Projeto de lei que permite uso e plantação de maconha pode ser aprovado de forma semelhante ao Uruguai. Mas o Brasil está preparado?
Diário da Manhã – Welliton Carlos
O Uruguai aprovou a comercialização e plantação da maconha. Mais do que legalizada, ela poderá ser comprada em farmácias. Turistas estão proibidos de comprar, mas podem usar à vontade. E detalhe: a aventura do Uruguai não contou praticamente com oposição política. O governo enviou o projeto para o Congresso e ele foi aprovado sem maiores problemas. A também vizinha Argentina segue o mesmo caminho. Em 2009, a Suprema Corte impediu qualquer forma de punição aos usuários.
A questão é que o Brasil pode ser o próximo a aprovar a polêmica medida. O projeto de Novo Código Penal descriminaliza o consumo pessoal da maconha e segue em trâmite nas comissões do Congresso Nacional.
A proposta está agora nas mãos do senador Pedro Taques (PDT-AM), que deve realizar emendas em diversos pontos. Até novembro, o senador espera ler a proposta em plenário para que possa receber emendas. Depois de sair da comissão especial, o projeto seguirá ao plenário do Senado. E após sua aprovação entre os senadores, ele terá um rito específico na Câmara – quando estará praticamente pronto para apreciação da presidente da República.
Elaborado por uma comissão especial de estudiosos de direito e juristas, a proposta que reforma o Código Penal defende a descriminalização do plantio e do porte de maconha. A exceção só cabe para quem carrega a droga tendo em vista o consumo próprio. Quem vender será considerado traficante.
Plantio
A grande polêmica é essa: o novo projeto libera até mesmo o plantio de maconha em casa. Para desespero dos mais conservadores, o projeto atraiu a atuação de uma comissão composta por inúmeros juristas de destaque, caso de Gilson Dipp – do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Deputados consultados pelo Diário da Manhã afirmam que a proposta é polêmica e existe uma forte pressão para que ela seja logo votada – assim que chegar na Câmara. Ou seja, já existe um campo propício para esta liberação: um país próximo legalizou o uso por meio de proposta do próprio governo, juristas apoiam a medida e cada vez mais existe uma campanha nas redes sociais e entre os jovens para a liberação.
Atualmente não é difícil fumar um cigarro de maconha. Sequer é crime. O que está vedado: transportar, comprar, vender, plantar. Os defensores do uso querem agora isso tudo na lei.
“A maconha não é o problema da humanidade. O problema é corrupção, o tráfico das drogas, a malandragem no futebol. Tanta coisa para a Justiça e polícia se preocuparem, e ainda correm atrás de quem usa um cigarro de maconha?”, questiona Marlos ‘Cannabis’, que se identifica como integrante de um movimento que defende o uso e liberação das drogas no Facebook.
O grande problema na tese da descriminalização – não citado pelo usuário – é o efeito da maconha no organismo. Em muitos casos, ela passa a ser motivadora de comportamentos indesejáveis. “A recreação da maconha é uma invenção. Verificamos os estragos desta droga aqui nos hospitais. Ela provoca demência e esquizofrenia”, diz o psiquiatra Marcelo Caixeta, habituado a tratar de dependentes nos hospitais em que atua.
Ele afirma que a droga é o estopim para doenças graves. “Existe um gene latente da esquizofrenia. E o uso da maconha provoca ele. O mesmo ocorre com quem tem psicose maníaca depressiva. Ela tem uma evolução boa quando usamos medicamentos adequados, mas quando, em vez disso, o sujeito usa maconha, ela torna-se maligna. Torna-se, então, uma psicose com características esquizofrênicas”, alerta o médico.
Marcelo afirma que é possível ainda outras consequências do uso de maconha. “Ninguém faz uso recreativo sem nenhuma sequela. Sempre tem alguma. O usuário de maconha pode desenvolver uma síndrome antimotivacional, em que fica mais pastelão, mais bobo. E outra: a síndrome paranoica, em que a pessoa fica desconfiada, arredia, tem delírios. Acha que os outros estão falando dela.
Brasil pode seguir caminho de vizinho*
Princípio da intimidade resguarda usuários O advogado penalista Antônio Lazaro Neto, em entrevista ao Diário da Manhã, afirma que a mudança da lei é perfeitamente possível, já que a discussão se arrasta há bastante tempo nos poderes Legislativo e Executivo. Ele afirma que é provável, sim, a influência da aprovação do Uruguai nos legisladores do Senado brasileiro e que a lei atual, que criminaliza, pode inclusive ser controlada no Supremo Tribunal Federal (STF) antes.
O professor de Direito Penal alerta que o uso das drogas afeta o princípio da intimidade, que resguarda direitos constitucionais e fundamentais dos indivíduos. “A pessoa tem o direito de usar drogas sem fazer mal aos outros”, afirma. Isso significa, portanto, que a lei atual é que estaria incorreta, pois afeta um direito pessoal.
O advogado não faz juízo de valor da norma atual e a que está sendo elaborada, mas alerta que existe uma forte tendência para descriminalização do uso – o que não significa permitir o tráfico de drogas.
Platão
Marcelo Caixeta, psiquiatra, acha absurda a hipótese da liberação sem uma consulta eficaz dos legisladores aos cientistas que conhecem os efeitos do tóxico. Para ele, de imediato, a liberação vai aumentar o número de usuários e possivelmente de dependentes. Caixeta diz que o contrário é que deveria ser decretado: “A criminalização das drogas lícitas, como o álcool ou cigarro. Isso sim deveria ser feito”.
Caixeta alerta para o caos atual da saúde pública, que – após a liberação do uso – terá ainda mais problemas a enfrentar, principalmente na área de acidentes de trânsito e de problemas psiquiátricos. “Deixaram Jean Wyllys, Natan Donadon, esse povo do Congresso, decidir o que é ou não certo. Quem sabe se a maconha faz ou não mal é a comunidade científica. Mas isso está lá em Platão, na obra “República”: a democracia transforma jumento em cavalo. Vivemos a venezualização do país”, critica.
O psicólogo Marcos Antônio Souza, especialista em infância e adolescência, afirma que a norma vai pegar a família desprevenida. “Pode ser algo grave para a consolidação de caráter e formação de crianças e adolescentes. É algo muito polêmico. Existem pesquisas que indicam que após a liberação aumenta o número de usuários. Hoje vemos a decadência da Europa em diversos sentidos. A primeira liberdade conquistada em alguns países foi o uso de maconha”, fulmina o pesquisador.
Saiba mais
Entenda o artigo que libera o uso de maconha
*DM publica o artigo do anteprojeto de lei que reforma o Código Penal e libera o uso de drogas, dentre elas a maconha *
– A norma proíbe o tráfico de drogas, mas permite que a pessoa carregue a quantidade para uso de até cinco dias.
– A lei não define quantidades, cabendo a regulamentação da norma, considerada uma lei penal em branco.
– O usuário deixa definitivamente de ser considerado criminoso.
– A lei não diferencia maconha de outras drogas, apesar de ser possível outras normas restritivas para outras formas de drogas.
– O que libera as drogas não está no caput do artigo 212, mas na exclusão, na parte final da norma.
A lei
Art. 212. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – prisão, de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
Exclusão do crime
§2º Não há crime se o agente:
I – adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal;
II – semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.
§3º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às circunstâncias sociais e pessoais do agente.
§4º Salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde.