Por Carolina Callegari
30/07/2017
DAY CLINIC
No início da tarde, um grupo de jovens se reúne numa das salas do Núcleo Integrado, no Recreio. O espaço de atendimentos, voltado para tratamento e prevenção de transtornos do impulso, recebe pacientes para o day clinic. A modalidade voltada para dependentes químicos é composta pelas atividades regulares habituais de uma internação, mas permite que o paciente mantenha sua rotina, a escola e o convívio social e familiar.
O ambulatório de dependência química funciona no centro há dez anos. Mas foi este mês que o day clinic passou a ter turmas somente para jovens. A agenda do grupo, que pode ser de dois turnos, inclui ioga, meditação, técnicas de mindfulness, prevenção de recaída e motivação para abstinência.
A psicóloga responsável pelo núcleo, Ana Café, pontua as dificuldades anteriores ao tratamento, na fase em que muitos pais resistem a acreditar na dependência. A demora em buscar auxílio profissional acarreta o agravamento do quadro.
A equipe do GLOBO-Barra entrevistou três jovens participantes do day clinic. A história de L., de 21 anos, mostra que não é preciso deixar o conforto do condomínio ou da escola para estar próximo às drogas. Foi aos 13 anos que o jovem fumou maconha pela primeira fez. O que considerava um passatempo aos poucos imprimiu efeito em toda a sua vida.
Primeiro, foi o afastamento dos amigos que não se drogavam. Depois, a falta de paciência para as aulas. Um dia, foi detido na Rocinha com maconha. A mãe acreditou que fora apenas um mal-entendido. Daí vieram a venda de drogas dentro da própria escola, o abandono dos estudos e o vício em cocaína e, depois, crack. Aos 15 anos, ele foi detido pela primeira vez por tráfico. A partir daí, alternava internações para tentar se recuperar, cinco no total, com a ociosidade nas ruas.
Prestes a completar dois anos de tratamento interruptos, L. hoje estuda para atuar em centros de reabilitação.
— Chorei ao pegar o diploma do primeiro curso necessário. Nunca imaginei que seria capaz de ficar sentado estudando; não queria nada mais além das drogas. Aqui encontrei um grupo de mútua ajuda de valor inestimável — diz L.
Foi em casa, aos 8 anos, que A., por sua vez, experimentou álcool pela primeira vez, tomando sobras de cerveja dos copos dos adultos. Três anos depois, usou maconha por não ter sabido como recusar a oferta de uma amiga cinco anos mais velha. A cocaína veio em seguida, o que a levou à primeira de cinco internações.
Aos 12 anos, ela começou a frequentar bailes comandados pelo tráfico. Numa ocasião, sofreu abuso sexual por um grupo de homens, episódio do qual não se recorda com clareza. O pai ainda hoje luta contra o álcool, e eram os avós quem insistiam que ela se tratasse. Hoje, aos 14 anos, livre das drogas ilícitas há quase dois anos e do álcool há dois meses, A. diz-se comprometida com sua recuperação.
— Hoje, vejo que o tratamento me afasta de algo que me faz mal — resume.
No caso de X., de 19 anos, um catalisador é a Síndrome de Borderline, na qual é grande a instabilidade emocional. Os surtos faziam com que se mutilasse desde os 13 anos. Dois anos depois, o abuso de álcool e maconha era constante.
No ano passado, uma internação a manteve afastada das drogas por seis meses. Em dezembro, durante um surto, porém, tomou remédios em excesso. Foi salva porque contou há tempo o que tinha feito para o terapeuta e o melhor amigo. Atualmente em tratamento para a síndrome e a dependência, vê a vida de outra maneira:
— Sempre quis muito ser livre. Depois, vi que era a droga que me aprisionava. Hoje, tenho a liberdade que sempre quis. E sinto amor ao meu redor. Não preciso me mutilar.
Especialista em dependência química e chefe do setor de dependência química e outros transtornos do impulso da Santa Casa da Misericórdia no Rio, Analice Gigliotti indica o day clinic como tratamento somente após avaliação criteriosa. No Espaço Clif, onde trabalha, são observados pontos como presença de transtornos psiquiátricos, presença ou ausência de apoio, grau de motivação e risco de recaídas.
— Se a pessoa tem um bom suporte social, está motivada para se tratar e não apresenta qualquer risco de morte, de recaída ou síndrome de abstinência, o tratamento ambulatorial é indicado — observa.