Principal responsável pela seção de psicologia do Colégio Militar do Rio de Janeiro, a psicóloga Ana Café coordenou a implantação do Programa de Prevenção a Dependência Química na instituição. Atuou durante 7 anos como coordenadora de escola e atualmente é convidada a dar palestras sobre drogas para alunos do ensino fundamental e médio. Ana concedeu uma entrevista para o boletim da Abead e falou sobre o papel da educação na prevenção de drogas e formação da criança e do adolescente. Confira!
1. Quais são as principais formas de se combater o primeiro contato com drogas na infância?
Na verdade, o primeiro contato acontece na pré-adolescência. Só que é na infância que a gente estrutura estratégias pra que as crianças tenham escolhas mais saudáveis. Deve-se tentar fortalecer os canais de educação e as escolas, fazendo-os entender que as propostas de prevenção devem fazer parte do currículo desde a educação infantil, para que os jovens estejam mais orientados e capacitados. O lema deve ser “Educar para uma Vida mais Saudável”. Devemos estruturar as crianças e oferecer uma estrutura junto com a família. E isso significa oferecer conteúdos nos quais trabalhamos autoconhecimento, autoconceito, auto-estima. Temos que passar para as crianças que cada um tem o seu valor, independentemente do que faça ou deixe de fazer. Não importa se quer ser músico ou engenheiro. Deve-se valorizar a produção, a criatividade, apreciando o conceito que cada um tem sobre si mesmo.
2. Qual a importância da presença e da participação da família da criança no processo de se evitar esse contato inicial?
O papel da família é fundamental. A família deve estar extremamente atrelada nesse projeto. A diretoria, os professores, os pais, os alunos, os administradores da escola, o pessoal da limpeza, todo mundo deve estar consciente de que aquela escola está construindo uma nova propostas de vida. Existe uma dificuldade das escolas em trazer as famílias, isso é muito difícil. As famílias transferem para a escola o papel de educar. Eles pensam que por terem colocado o filho em uma boa escola ele estará seguro em tudo. Os pais devem estar atentos, se preocuparem, saber sempre o que está acontecendo. Devem saber que educar é uma proposta continuada, pois a educação continua dentro de casa. Os pais têm que falar a mesma linguagem que a escola. É necessária uma somatória entre ambas as partes: pais e educadores unidos.
3. Existem estudos ou pesquisas que demonstrem a relação “criança na escola e drogas”?
O que eu posso informar, quando falamos de estudos da relação entre escola e drogas, é que crianças e jovens que usam droga são o maior índice de evasão escolar. No momento em que eles começam a consumir drogas, aos 14, 15 anos, é o momento em que começam a abandonar a escola e esses jovens que não conseguem concluir o ensino. E não estamos falando só de meninos de classe baixa, ultimamente tenho atendido meninos de classe médica alta e que não conseguiram terminar o 2º grau. Tudo isso porque começaram a usar drogas. As escolas devem preparar as crianças e os pré-adolescentes para que, quando tiverem 12 anos, estejam prontos para dizer não às drogas. Depois que experimentou e teve prazer, o processo se torna muito mais difícil de reverter. Hoje em dia, a maioria desses estudantes está se formando em supletivos, pois não conseguem acompanhar o curso acadêmico normal. Voltando na questão das pesquisas, nós temos muito poucas na área da prevenção. Fala-se muito do problema instalado e é deixado de lado o fato de que, desde a infância, devemos favorecer comportamentos saudáveis nas escolas. Isso ainda está muito carente.
4. Como se dá a influência dos amigos e colegas na aproximação com alguma substância ilícita?
A pressão de grupo é forte. Mas eu não vejo isso “Se você não usar, você não vai ser aceito”. Funciona mais da forma “Pô, cara! Vamos experimentar, é maneiro. Vamos lá!”.
Ultimamente temos muitos casos de jovens de classe média alta que se tornaram traficantes de drogas sintéticas, como o ecstasy, por exemplo. E não houve nenhuma pressão para isso. Eles querem é se sentir importantes. Houve um caso de um menino que eu atendia, e ele dizia que se sentia importante por ser traficante, porque todo mundo o procurava e as meninas corriam atrás dele. E é aí que entramos numa questão que vem lá da infância: a auto-estima. Será que eu preciso ser importante a ponto de fazer uma coisa ilícita? Será que eu preciso que o outro diga que eu tenho valor? Nesses casos a pressão de grupo vai ter efeito. Mas quem está bem consigo mesmo não sofre esse tipo de pressão. O grupo pode falar o que for, mas o indivíduo vai fazer somente aquilo que quer. Um outro caso muito interessante é o de um garoto que estava numa festa. De uma hora para outra, os jovens começaram a beber e se embriagar. Esse garoto, que era evangélico, ligou para o pai e pediu para que viesse buscá-lo. O garoto foi questionado se a festa estava boa, se não estava gostando. Ele respondeu dizendo que estava boa, mas que estava na hora de ir embora. Apesar de o terem chamado de “frouxo” e “fraco”, o garoto foi embora da mesma forma. Esse adolescente está bem resolvido consigo mesmo.
É nessa parte que entra a importância de uma educação que estruture a criança ainda na infância.
5. As crianças e os adolescentes estão experimentando mais cedo o álcool, em virtude das propagandas publicitárias e do apelo que se faz em consumir cerveja e outras bebidas?
O álcool entra pela porta de casa. Na maioria das vezes o jovem tem o primeiro consumo com a família. Realmente existe uma minimização do risco do álcool. As pessoas estão vendo a droga apenas como aquilo que é ilícito, enquanto a lícita está em casa. A influência da TV e dos anúncios sem dúvida é grande, pois passa uma visão de que eu só vou ser feliz se eu consumir alguma coisa. E o alvo dos ataques publicitários são justamente os jovens. Uma pesquisa recente mostra que passou de 11 para 21 milhões de litros de cerveja consumidos ao ano. E quem impulsionou esse aumento foram justamente os jovens, inclusive pelas mulheres. Existe o fator da mídia, mas não é só a mídia. Existe o fator permissividade na família também.
6. Quais são as deficiências dos métodos utilizados hoje nas escolas brasileiras?
Hoje eu vejo que as escolas querem apenas fazer uma palestra de prevenção sobre drogas e acham que cumpriram com o seu papel. Às vezes eu chego para dar palestras aos alunos e vejo que a escola colocou a 7ª e 8ª séries, 1º, 2º e 3º colegial todos na mesma sala, para ocupar somente aquele tempo. As escolas esquecem a importância dos alunos falarem, perguntarem e interagirem com o palestrante. As escolas estão muito focadas numa visão empreendedora, de mercado de trabalho. E estão esquecendo de favorecer o ser humano. E aí, esse ser humano que não fala e que não é ouvido usa droga para aliviar o desconforto. A criança pensa “eu não quero ser advogado, não quero fazer engenharia. Mas eu aprendi que tenho que ser um empreendedor, se não, não serei nada na vida”. A felicidade não está no que eu vou ter, está no que eu sou. Devemos trabalhar as múltiplas habilidades, podemos chamar isso de inteligências múltiplas. E o indivíduo tem tudo isso. Infelizmente o que eu vejo é que, cada vez mais, as escolas estão favorecendo apenas o conhecimento técnico-científico. Às vezes a criança nem aprendeu a ler e a escrever, mas já esta fazendo inglês. Não aprendeu nem a ler e a escrever, mas já tem informática. É papel da escola ensinar ética, cidadania e valores. E não só matemática, português, ciências e história.
Entrevista realizada em: (03/10/2008)
Fonte: ABEAD